Cozinha Hoteleira: Especialista ensina evitar conseqüencias graves em cozinhas de hotéis
 
1) A hotelaria é um grande mercado em expansão, onde as grandes redes apostam bastante na gastronomia como diferencial. Esta visão leva a uma maior responsabilidade em relação à segurança alimentar?
R: A responsabilidade em relação à segurança alimentar deve existir sempre que houver produção de alimentos. Naturalmente, quando se usa a gastronomia como um diferencial, os alimentos ficam em maior evidência existindo a tendência de serem mais trabalhados, rebuscados, com grandes variedades e quantidades.

Esse fato torna o sistema de segurança alimentar das cozinhas hoteleiras mais complexo.
Ainda é importante destacar que a estimativa é de um número superior a 74 milhões de refeições fornecidas anualmente pela hotelaria brasileira, entre cafés da manhã, almoços, jantares e coffee-breaks. Logo, a questão de segurança alimentar não deve ser tratada como um mero detalhe dentro da hotelaria. Para mim é uma questão estratégica; se a segurança alimentar falhar o negócio corre um grande risco frente aos seus clientes.

2) Vimos durante as Olimpíadas uma grande intervenção da Vigilância Sanitária em restaurantes e cozinhas hoteleiras em Atenas . Muitos estabelecimentos fechados e autuados. Você acredita que no Brasil um quadro como este poderia ocorrer?
R: Sim, não tenho dúvidas de que isso possa ocorrer se a Vigilância Sanitária fizer visitas nessas cozinhas. Falhas existirão, a questão é avaliar em que nível pode levar a afetar a saúde dos consumidores.

Quando viajamos e nos hospedamos nos hotéis, podemos observar, em uma simples mesa de café da manhã, várias irregularidades tais como reaproveitamento de alimentos, inadequações nas temperaturas de exposição, entre outras. Falhas desta magnitude também podem ser observadas em um balcão de distribuição de uma refeição self service.

Como profissional, durante trabalhos realizados nas cozinhas, observo que os problemas comumente encontrados são relacionados a temperaturas de armazenamento e exposição dos alimentos, limpeza e organização do ambiente, higiene e hábitos dos funcionários, higiene de equipamentos e utensílios, controle de pragas, etc.

3)Quais as conseqüências para uma cozinha hoteleira que ainda não tenha implementado as Boas Práticas (BP) e a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC)?
R: As conseqüências podem ir desde uma autuação pela Vigilância Sanitária até o fechamento do estabelecimento. A implementação dessas ferramentas é obrigatória por lei desde 1994, portanto não há justificativa para quem ainda não implementou. Imagine se ocorre um caso de doença transmitida por alimentos consumido em um hotel, e se pior, alguém chegue a falecer em função dela.

Qual seria a repercussão na mídia? Casos como esse já ocorreram na indústria de alimentos e em rede de fast food, acarretando no fechamento das mesmas, assim como já ocorreram, apesar de não relatados, casos de toxinfecções em grandes hotéis, afetando vários hóspedes.

4) Você acredita que a segurança alimentar poderá ser um diferencial na seleção de hotéis, flats e resorts?
R: Acredito que deveria ser obrigatório e não um diferencial. Afinal estamos falando da saúde de milhares de pessoas e de legislações existentes há bastante tempo, não justificando, portanto o não cumprimento das mesmas. Porém a realidade do mercado de refeições no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, nos mostra que o tema segurança dos alimentos ainda tem que ser bastante trabalhado.

Por esta razão, hoje os hotéis, flats e resorts que ofereçam esta garantia, terão um diferencial em relação a concorrência, principalmente com a expansão do número de turistas que passaram a desembarcar em nosso território a lazer ou a negócios.

5) E a questão do regionalismo? Muitas vezes se diz que as culinárias típicas da região norte e nordeste podem provocar mal-estar, ou seja, é uma comida muito "forte" e que os turistas podem sofrer seus efeitos. Isto é uma verdade ou um mito? Por trás desta situação existem problemas relacionados à segurança alimentar? Este poderia ser um fator limitante dos hotéis destas regiões do Brasil?
R: Pode-se dizer que é uma verdade em função das características dos alimentos em relação aos hábitos alimentares. Nosso País é muito grande e se compararmos os hábitos alimentares regionais, não só do Norte e Nordeste, veremos que as diferenças são enormes. O mal-estar associado a alguns pratos típicos destas regiões não é uma regra, o que pode ocorrer são grupos de pessoas mais sensíveis a determinados ingredientes que sentirão um certo desconforto ao ingerirem estes alimentos muito diferentes de seus hábitos.

Casos generalizados de mal-estar (com sintomas de vômitos, diarréias, entre outros) podem estar ligados a problemas de segurança alimentar, porém não associo isto a uma determinada região do País, pois a falta de cuidados higiênicos durante a produção dos alimentos não é regionalizada.

A possibilidade de ocorrência de problemas de toxinfecção relacionados à alimentação em hotéis é grande em todas as regiões, considerando-se as condições presentes, ou seja, as pessoas estão fora de suas rotinas alimentares, várias faixas etárias envolvidas e sensibilidades desconhecidas versus a preparação de refeições em grande escala. Situação propícia para várias doenças transmitidas por alimentos.

O importante é que em qualquer uma destas situações os clientes têm que sentir muita confiança na qualidade dos serviços prestados por um hotel, incluindo com certeza a segurança dos alimentos servidos, independente da condição regional.

6) Quais são as dicas para que uma cozinha hoteleira consiga garantir a segurança dos pratos elaborados sob o aspecto técnico-operacional?
R: A principal dica é a implantação e manutenção de um sistema capaz para garantir a produção de alimentos seguros. Neste caso, esse sistema é composto pelas Boas Práticas (BP) e a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). Juntas, essas ferramentas irão permitir a segurança na produção dos alimentos.
As BP através do Manual de Boas Práticas e dos 08 POP''s (Procedimentos Operacionais Padronizados) representam a base para a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle.

Após a implantação das Boas Práticas a empresa deve elaborar os Planos de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) para os diferentes grupos de alimentos (como, por exemplo, carnes assadas, saladas cruas, massas sem recheio, molhos, etc.) e em seguida implementá-los.
Mas é importante frisar que não basta implantar, tem que garantir a continuidade do processo como rotina ao nível operacional (funcionários das cozinhas) e gerencial (tomada de decisões para adequação das instalações e equipamentos).

 

 
Autores
 
Telma Galle
Bióloga, pós-graduada em Controle de Qualidade e especialista em Microbiologia de Alimentos. Consultora e auditora de Qualidade em Alimentos desde de 1992, com experiência em Implantação de GMP e HACCP. Coordenadora do PAS (Programa de Alimentos Seguros)

 
Os autores estão em ordem alfabética. Este artigo é um resumo. O artigo em sua íntegra pode ser encontrado na revista Nutrição em Pauta, edição Set/Out/2004