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Ciência X Mídia

1) Como as notícias reproduzidas na mídia podem afetar a alimentação em nosso país?

Recentes notícias mundiais reproduzidas na mídia afetam, direta ou indiretamente, aspectos da saúde e alimentação em nosso país e chamam, cada vez mais, a atenção para a importância dos aspectos científicos que justifiquem e apoiem essas divulgações. Os fundamentos da ciência e da pesquisa nem sempre são devidamente esclarecidos e informados ao público, dando origem a questionamentos que prejudicam seriamente a evolução lógica e racional dos fatos.

Pode-se citar a divulgação da presença da doença da vaca louca em nossos rebanhos, da aflotoxina no amendoim brasileiro e do cultivo de sementes transgênicas. Sem dúvida todos eles, além de sua importância biológica, têm também um enorme reflexo social e econômico para o nosso país. É preciso então que maiores esclarecimentos científicos sobre os mesmos cheguem rapidamente aos consumidores e de um modo geral à toda a população.

2) Que esclarecimentos científicos são necessários neste momento em que o Brasil está sendo acusado de possuir um rebanho com a doença da vaca louca?

Sabe-se que o Brasil tem um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, com mais de 150 milhões de cabeças e um mercado exportador que estimava ultrapassar 900 milhões de dólares no ano de 2000. O maior comprador de nossa carne são os países europeus. Os Estados Unidos são grandes compradores e a participação da nossa carne no mercado asiático vem aumentando lentamente. O controle da aftosa no nosso rebanho bovino vem contribuindo para essa situação de prestígio da exportação e, além disso, não existe notícias fundamentadas e comprovadas da presença da doença da vaca louca em nosso país.

Esta doença, conhecida como Encefalopatia Espongiforme Bovina, parece ter como agente a presença de uma proteína anormal, descrita no rebanho bovino da Inglaterra. Sua variante foi encontrada no homem (80 casos relatados na Inglaterra) e isto tem causado uma grande preocupação mundial. Hipóteses foram feitas sobre sua causa sugerindo que fosse produzida por um vírus, o que não foi confirmado. É mais provável que seu agente seja mesmo uma proteína deficiente e o assunto está sendo investigado em diversos laboratórios de pesquisa.

De qualquer maneira, sua transmissão ao homem é considerada e isto determinou o extermínio de grande quantidades de animais naquele país. Testes têm sido desenvolvidos e já existem exames laboratoriais para detectarem a presença da doença em rebanhos, mas eles ainda não foram totalmente aprovados. A União Européia determinou que esses testes se tornassem compulsório em toda a carne para consumo humano e tem sido proibida a importação da carne bovina inglesa para o continente.

Especificamente em relação ao Brasil, a falta da comprovação dessa doença nos nossos rebanhos demonstra que a acusação do Canadá é inaceitável e anti-ética parecendo ter muito mais um caráter político-econômico do que fundamentos científicos comprovados. As conseqüências dessa situação já repercutiram no mercado mundial da carne brasileira, exigindo um alerta da vigilância sanitária mas não justificando, até o momento, qualquer restrição ao consumo da carne bovina do Brasil.

3) E quanto às aflotoxinas? Já existe controle para este problema?

A aflotoxina tem uma história mais comprida no Brasil e também tem relação com a Inglaterra. Há mais de 15 ou 20 anos, o amendoim importado do Brasil, utilizado na fabricação de rações para aves no Reino Unido, foi considerado responsável por doenças que apareceram em animais que as consumiam. Demonstrou-se depois que a sua causa não era especificamente o amendoim, mas um fungo que se desenvolvia na semente. Isto acontecia durante a colheita, especialmente quando chovia muito nessa época.

Foi verificado depois que a mesma substância produzida pelos microorganismos no amendoim, a aflotoxina, também era responsável por problemas no fígado e até por tumores hepáticos em animais e até no homem. Conhecendo a sua causa, os produtores foram alertados para tomarem mais cuidado na colheita do amendoim. Mas a falta de um maior controle e vigilância tem feito com que, periodicamente, seja comprovada a presença de aflatoxina no amendoim brasileiro. Além dos graves problemas para a saúde, a sua repercussão econômica é imediata.

Na região de Ribeirão Preto, onde o amendoim é cultivado, o seu preço caiu pela metade com as notícias da presença da aflatoxina, divulgadas pela imprensa. A presença da aflatoxina pode ser determinada por testes em laboratórios e o seu controle agroalimentar é uma medida de segurança de nutrição pública já disponível.

4) Outro assunto muito polêmico e muito citado na mídia são os transgênicos . Como este assunto está sendo considerado no meio científico?

O caso dos alimentos transgênicos vem ocupando um espaço todo especial na mídia brasileira e mundial. Foi recentemente alimentado por leigas personagens estrangeiras, como o francês José Bové, que participou da destruição de plantações de sojas transgênicas em estudos experimentais no Rio Grande do Sul. Este, entre outros fatos irresponsáveis, foi um dos atos que acabou ocupando um espaço importante na mídia nacional, sem que se saiba que existem muitos e maiores conhecimentos específicos e científicos sobre o assunto. E isso trouxe benefícios a quem?

O fato é sério e estudos especializados de biologia molecular têm permitido que a biogenética produza, há muitos anos, variedade de sementes e organismos transgênicos em diversos países do mundo, inclusive no Brasil. Soja, arroz, mamão, cenoura, outras leguminosas e cereais, ao lado de animais geneticamente modificados, vêm sendo desenvolvidos em muitos laboratórios por uma reconhecida elite de pesquisadores. Os progressos a respeito do assunto estão aí para ficar e, sem dúvida, muitos contribuirão para o bem estar da humanidade.

Na área da alimentação e nutrição, em que militamos, questões básicas estão sendo estudadas experimentalmente relacionando a nutrição e a genética. Estudos em diferentes países estão sendo desenvolvidos por cientistas agrícolas que devem melhorar a quantidade e a qualidade de alimentos necessários para suprir a demanda da crescente população mundial através da engenharia genética. Procura-se também utilizar a biogenética para se determinar as necessidades nutricionais e, finalmente, mostrar como a alimentação influencia a expressão genética.

Todas essas questões são fundamentais para a área da alimentação e nutrição humana e seriam muito difíceis de serem obtidas sem o auxílio da biologia molecular. As perspectivas de avanços nesse setor, todas realizadas dentro da mais séria metodologia científica e princípios éticos que sempre norteiam as pesquisas nutricionais, terão nas próximas décadas uma enorme influência na boa alimentação e na boa nutrição de todas as pessoas.

Lamenta-se, assim, que a desinformação e a falta de uma divulgação melhor fundamentada sobre os transgênicos ao público leigo tenham muitas vezes prejudicado os trabalhos cientificos sérios que vêm sendo realizados por investigadores e cientistas em todo o mundo. Atitudes isoladas, às vezes incluindo interesse pessoal e/ou político, têm dificultado os estudos e a utilização desses novos avanços tecnológicos. Não há dúvida, entretanto, que essas descobertas científicas estão aí, como já foi dito, para ficar e serão, cada vez mais, utilizadas em benefício da humanidade neste próximo milênio.

Autor

Dr. J. E. Dutra de Oliveira Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Divisão de Nutrologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e Professor de Medicina e Ciências Nutricionais da UNAERP de Ribeirão Preto, autor do livro Ciências Nutricionais

Os autores estão em ordem alfabética

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